HELLO STRANGER
this is about truth,beauty,freedom;but above all things,this is about love.

23.3.10

Epifania: 300 reais

“Está perdido?”.
Ela pergunta, se aproxima e segura em minha mão. Em algum ponto da Avenida Paulista. Ela tem o corpo esguio e lindos cabelos cacheados ruivos. Pintados, como eu descobriria mais tarde.
Ela move seu polegar pela palma da minha mão. Pela minha linha da vida, do dinheiro e do amor. Seu polegar percorre todas essas linhas porque ela vai se envolver em todas essas coisas.
“Estou”. Respondo,sem soltar sua mão.
“Tu tens um sorriso bonito”. Ela diz com sotaque gaúcho e tom em algum lugar entre o maternal e o sedutor.
Tento reservar-me. Fingir que o toque não me traz conforto. Fingir que é tudo business. Oferta e procura.
“E por quanto sai?”
“Para você, 300”.
“Só tenho 235. Preciso sacar. Onde tem um BB por aqui?”
“Fale baixo. Aqui está cheio de noia. Eles roubam até óculos de grau”.
“Se roubarem os meus, não poderei ver nem mesmo vc.
Ela sorri de modo terno. Agora, tendendo mais para o maternal.
“Vamos no E-com. Lá ninguém sabe o que vamos fazer. Eu sei onde tem um”.
Ela assume a frente como um guia. Ou melhor, me arrasta pelo caos da grande e caótica metrópole como uma mãe arrasta a uma criança.
“Que drogas você usa?” Ela me pergunta com a mesma naturalidade de quem pergunta “qual é a sua profissão?”
“Cerveja e remédios para dormir”.
“Isso não são drogas”. Ela despreza. Obviamente ela não conhece muito bem as benzodiazepinas.
“Eu fumo um beck e outras coisinhas mais de vez em quando”. Ela confessa. “Já fumou um beck?”
“Eu fiz faculdade.”
“Hmmm?”
“É uma espécie de pré-requisito para se formar”.
“Ah tá! Só isso só. Eu não me misturo com esses nóia não”. Diz ela se referindo aos consumidores de crack nos arredores da praça da república.
Continuamos a andar. Ela a frente. Eu atrás.
Chegamos ao e-com. Uma espécie de pequeno supermercado. Um pequeno supermercado para emergências. Pequeno é claro para os padrões paulistanos. Médio para os padrões da minha cidade. A máquina do banco 24 horas se encontra logo de frente a entrada para onde nós nos dirigimos, ou melhor, para a entrada a qual ela me guia.
Uma folha de papel sulfite colada na máquina frustra nossos planos:
“Caixa fora do Ar”
Ela se aproxima do segurança de postura tão impecável quanto seu terno e sua gravata e pergunta, usando agora seu tom sedutor:
“O sistema está fora do ar para todos os bancos?”.
Ele confirma.
Ela conversa com as pessoas. Ela escolhe os locais. Ela conhece os caminhos. Não há dúvidas sobre a natureza de nossa relação de poder maternal depravada.
“E onde nós podemos tirar dinheiro essa hora?”
“No e-com lá de cima? É muito longe.” A balança, agora, pende de vez para o lado sedutor.
“É o único jeito, senhora”
“Tudo bem. Obrigado”.
Ela volta a me arrastar. Agora pelo caminho de volta. Até a esquina onde eu estava perdido.
“Tive uma idéia”. Ela diz. A balança pendendo ao lado maternal. Você vai ao hotel onde você está, fecha a conta e paga no cartão 65 reais a mais. Ele volta esses 65 pra você em dinheiro e vc me dá.
Concordo tacitamente. É uma boa idéia.
“Mas, vc estava em frente ao seu hotel?”. Ela me pergunta, perplexa. Quase surtando, mas se controlando, como uma mãe liberal que encontra maconha na gaveta do quarto do filho.
“Vc me perguntou se eu estava perdido. Mas, não especificou o sentido”.
Ela faz um som interessante, algo entre um hmmmm e um ahhhh e se resigna. Aparentemente satisfeita com minha esperteza ou conformada com minha estranheza .
Chegamos ao hotel. Faço a proposta ao recepcionista.
“Eu não tenho dinheiro aqui. Não tenho dinheiro no caixa de noite. Desculpe, ninguém acerta de noite”.
Olho para ela. No meu olhar a pergunta: “o que fazemos agora?” Ela entende e logo responde.
“Vamos fazer por isso que você tem mesmo. Se não, vamos ter que andar muito.”
“Tá”.
“Você é de maior?” pergunta o recepcionista do hotel.
“Claro que sou”.
“Nome e RG”
Ela os passa. Entramos no elevador juntos.
“Com essa cara” _ ela diz _ “Não ser maior de idade como?”.
“Quantos anos você tem? Uns 22?”
“Obrigada. Tenho 24”.
“É que você tem um sorriso jovial”
“Obrigada. E vc... vc deve ter uns 27 anos”.
“Quase acertou. Tenho 26”.
“É que vc tem cara de sério”.
O elevador para. Um daqueles elevadores velhos onde a porta automática é uma grade e vc tem que abrir a porta principal.Ela desce.
“704. Deixa eu abrir”.
Abro a porta.
“Fique a vontade”, digo. E vou ao banheiro.
Quando volto, a TV está ligada no jornal da globo e ela está completamente nua. Seu corpo esguio e seus seios tipo taça de champagne atraem a mim e a meus olhares.
“Vc disse para eu ficar a vontade, eu fiquei. Posso ir ao banheiro?”.
“Claro”.
Enquanto ela está no banheiro, abro os botões da minha camisa.
Ela sai.
Me abraça e me beija. Seu beijo tem sabor de cigarro mentolado. Não posso reclamar o meu deve ter gosto de cerveja. Mas, eu gosto. Gosto do sabor do cigarro mentolado. É forte. É como um cigarro misturado com um trident do mais forte. Enquanto ela me beija tira de vez minha camisa. Me coloca sentado na cama, se ajoelha a meus pés e abre o zíper da minha calça. Ela coloca meu pênis em sua boca com a habilidade que só uma profissional pode ter.

‘ * * * * *
“Eu gozei, fiquei até de perna bamba, mas vc não...” Ela mente, provavelmente. Mas, como dizer a ela que eu senti prazer, mas não ejaculo. Não sou capaz de ejacular às vezes por causa da gigantesca carga de antidepressivos que tomo.
“Não foi culpa sua, eu digo”. Para evitar longas explicações.
“É a primeira vez que vc paga uma garota?”.
“É. Antes disso, só namoradinha”.
“Então foi isso. Eu sabia que era alguma coisa psicológica. Ele queria sair, mas não saía”. Tem algo mesmo, porém não é psicológico é psiquiátrico.
“Você faz o que aqui em São Paulo?”
“Um curso.”
“Para o trabalho?”
“É”
“Vai embora quando?”
“Amanhã”
“Que horas?”
“A hora que eu quiser”
“Então vamos nos ver de novo amanhã. Eu te faço uma massagem. Uma massagem diferente. Que usa as mãos, os pés, os seios, e o clitóris. É tailandesa. A massagem dura uns 20 minutos, daí usamos os outros 40 para fazer outras coisas.” _ Ela diz, a balança agora, tendendo por completo para o lado sedutor _ “Eu vou te levar em um motelzinho, não tem frigobar como seu hotel, mas é bom, não tem nóia, não tem nada”
“Vamos então”.
“Que horas vc está livre?”
“As cinco”
“Me passa o número do seu celular. Eu to sem. Me roubaram o meu. Um Nokia simplezinho que só tinha rádio acredita?”
Eu escrevo um numero num pedaço de uma folha, rasgo e lhe dou.
“Vou mandar a mensagem do celular de uma amiga por volta do meio dia. Vou assinar como Gaúcha. Onde nós encontramos?”
“Ali. Na esquina. Na esquina onde vc me salvou”.
“Ok”.
Ela se veste com uma velocidade impressionante. Eu ainda estou nu. Frágil como uma criança diante da mãe.
Ela me da um beijo de despedida e sai.
Me deixando lá. Nú, sozinho e frágil, mas confortado e esperançoso.

· * * * *
Acordo cedo para ir ao treinamento. Passo a manhã toda de olho no celular. Esperando a mensagem. Esperando uma sms de um telefone qualquer com a assinatura de Gaúcha.
Meio-dia a sms não vem. Uma da tarde o sms não vem.Duas da tarde e o sms não vem. Três, quatro, cinco, nada. Saio do curso e vou em direção ao hotel. Preciso pegar minhas malas de qualquer forma. Subo no meu quarto no elevador antigo. Pego minhas malas, desço. Sempre olhando para o outro lado da esquina. Para a esquina onde ela me salvou. Mas, não vejo nada. Não vejo ninguém parada. Ninguém de corpo esguio e belos cabelos ruivos cacheados.
Talvez, ela esteja atrasada. Saio do hotel e espero. Ela não mandou mensagem mais ainda há um pouco de esperança em mim. Espero por 15 minutos na porta do hotel. De qualquer forma, não quero pegar o metrô agora, na hora do Rush, não quero ser esmagado. Entro em um boteco ao lado do hotel e peço uma Skol. Escolho uma posição de onde posso ver a esquina. E vou tomando. Vou tomando. Uma, duas, três, quatro. A hora do rush passa. E ela não aparece.

Saio do bar, decepcionado, mas nem tanto. Me recordo com um estranho carinho de seu sorriso jovial e de seu jeito maternal. O conforto do seu polegar passeando pela palma da minha mão: Vida, Dinheiro, Amor. Essa mulher fez mais por mim. Mais do que o melhor boquete da minha vida. Carinho. É isso: carinho. Essa mulher fez com que eu tomasse consciência do carinho que sentia por ela. E, se sou capaz de sentir carinho por uma prostituta, o que dizer então do que eu sinto pelas pessoas que convivem comigo?De alguma forma essa puta de rua, essa mulher, foi capaz de fazer o que meses de tratamento com venlaflaxina não foram: fizeram a vida parecer melhor de ser vivida.

Então,deixo bar rumo à estação de metrô da República. Rumo à minha casa.